Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP
20/10/2025Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP.
Durante esse período, Portugal, a Europa e mesmo o mundo em geral foram fortemente afetados por sobressaltos económicos e financeiros de enorme dimensão, como foram os casos, sucessivamente, da crise do sub-prime, da intervenção da troika nos países do sul da Europa, da pandemia, do encerramento do Canal do Suez, dos problemas de abastecimento da indústria automóvel ou da questão dos semicondutores.
Não obstante, a generalidade dos segmentos do Metal Portugal enfrentou com resiliência e sucesso todos esses obstáculos, constrangimentos e dificuldades, contribuindo com a sua competência e capacidade empreendedora para sucessivos recordes de crescimento de exportações e de criação de postos de trabalho crescentemente qualificados.
Mais ainda, em alguns daqueles momentos acima referidos, a capacidade de exportar e gerar emprego das empresas metalúrgicas e metalomecânicas foi absolutamente decisiva para ajudar o país e o povo português a resistirem.
Atualmente, a Europa atravessa novamente um momento difícil, com crises de diferentes características em algumas das suas principais economias. A Alemanha tem vindo a assistir quase impotente a um verdadeiro tsunami de insolvências nas áreas da construção, imobiliário e automóvel. França tem as suas contas públicas no limiar da catástrofe ao mesmo tempo em que se vê incapaz de reformar um estado obeso e ineficiente e de pacificar as tensões sociais internas. O Reino Unido não só pondera a possibilidade de pedir uma intervenção do FMI no sentido de o salvar de um ‘default’, como está assolado pelo aumento galopante da insegurança e criminalidade. Espanha está completamente descredibilizada pela manutenção em funções de um governo com evidências claras de corrupção, nepotismo e de cumplicidade com o terrorismo.
Por outro lado, o novo governo dos Estados Unidos da América, onde havia uma presença crescente das empresas do Metal Portugal, criou barreiras que dificultam fortemente a entrada no mercado de produtos europeus e compromete também de algum modo os investimentos portugueses no México, os quais, naturalmente, tinham e têm também em vista as possibilidades oferecidas pelo grande vizinho do norte.
Como se tudo isto fosse pouco, a Europa está neste momento perturbada por duas guerras às suas portas ou mesmo no seu interior.
No médio-oriente, a guerra entre Israel e grupos terroristas apoiados pelo Irão tem vindo a prolongar-se há mais de dois anos. É verdade que foi recentemente outorgado um acordo de paz entre Israel e o Hamas, mas também é certo de que todos temos a noção da enorme fragilidade de que tal acordo se reveste. É muito previsível que haja recaídas e regresso aos combates.
Por outro lado, o conflito armado entre a Ucrânia e a Rússia, causado por uma agressão unilateral desta última, irá em breve entrar no seu quarto ano de duração. Para que tenhamos uma noção mais afinada do que isto representa, lembremo-nos de que a chamada Grande Guerra – a primeira guerra mundial -, durou precisamente quatro anos, entre 1914 e 1918.
É extraordinário verificarmos que o setor metalúrgico e metalomecânico português continua a resistir com enorme sucesso a todas estas vicissitudes. Exportou em 2024 cerca de 24 mil milhões de euros, prevendo-se ainda que o exercício de 2025 venha a registar um crescimento homólogo nesse âmbito.
Aliás, os resultados acumulados das exportações relativos a agosto fazem transparecer um aumento de quase 2% das vendas ao exterior por parte do Metal Portugal em comparação com o mesmo período de 2024.
E é importante ainda sublinhar a esse respeito que essa performance exportadora do setor está a ser mais positiva do que a verificada nos restantes setores de atividade e na indústria transformadora em geral.
Os números do Metal Portugal são extraordinários em todos os índices: um volume de negócios crescente a rondar os 38 mil milhões de euros, um valor acrescentado de quase 10 mil milhões de euros e duzentos e cinquenta e cinco mil postos de trabalho ocupados.
Esse é naturalmente o resultado de um crescimento do investimento não só de empresas nacionais, como também de muitas sociedades de capital estrangeiro e direito português que também integram de pleno direito o Metal Portugal.
Para além disso, o setor evidencia desempenhos notáveis consubstanciados na redução da sinistralidade laboral, no aumento de empresas certificadas, no crescimento do investimento em inovação, investigação e desenvolvimento, na aposta cada vez mais assertiva na propriedade industrial e do número crescente de trabalhadores com mais qualificações ao seu serviço.
Tendo em conta o exposto, deveria ser possível ser-se otimista quanto ao futuro do Metal Portugal e esperar-se que o mesmo prosseguisse a sua extraordinária trajetória de sucesso já percorrida ao longo dos últimos 10 ou 15 anos. Sem romantizar excessivamente a realidade, um futuro cheio de luz.
Infelizmente, estão a surgir sombras que ameaçam de forma muito inquietante as possibilidades de continuação do sucesso.
No passado dia 7 de outubro, a Comissão Europeia anunciou, entre outras medidas restritivas à importação do aço, a aplicação de tarifas de 50% à compra dessa matéria-prima a fornecedores de fora da Europa. Não obstante, não irá aplicar taxas idênticas à importação de produtos acabados, fabricados a partir do aço.
Como é evidente, em resultado dessas políticas, muitos concorrentes não europeus terão acesso ao nosso mercado em condições bastante mais vantajosas, sendo certo que não estarão sujeitas às tarifas na compra de matérias-primas e de igual modo estarão isentas de quaisquer taxas na venda dos seus produtos.
É verdadeiramente insano que seja a própria Comissão Europeia a distorcer a concorrência em prejuízo das empresas cujos interesses teria a obrigação de salvaguardar.
No sentido de, alegadamente, proteger os fabricantes de aço na Europa, a Comissão Europeia prepara-se para destruir o setor metalúrgico e metalomecânico europeu, que é o mais relevante da indústria transformadora em toda a União Europeia.
Se compararmos os dois setores facilmente percebemos que tudo isto é desprovido do menor bom-senso. O setor metalúrgico e metalomecânico europeu tem um volume de negócios anual superior a quatro biliões de euros, sendo 20 vezes superior ao atingido pela indústria siderúrgica (200 mil milhões de euros). Quanto ao número de postos de trabalho, o metal é 45 vezes maior do que a siderurgia: 13 milhões contra 300 mil.
Para além do mais, deve dizer-se que o apoio aos produtores europeus de aço acabará por prejudicar os próprios. Se a CE prejudicar desta forma os transformadores europeus, a indústria siderúrgica europeia irá perder os seus clientes. O que significa que também será destruída.
Finalmente, há um detalhe bizarro neste contexto: as empresas siderúrgicas europeias são esmagadoramente de capital não europeu, predominantemente indiano.
Daqui decorre, pois, que a Comissão Europeia está a tratar de destruir um enorme setor de grande valor acrescentado e que emprega milhões de trabalhadores, privilegiando um setor de muito menor dimensão e de capital indiano.
Estamos habituados a decisões disparatadas por parte das instituições europeias e muito particularmente da Comissão Europeia e respetivas Direções-Gerais.
Neste caso, porém, a perplexidade ultrapassa todos os limites. É fundamental que a Comissão Europeia reflita e reverta estas políticas. E é essencial que o governo português seja voz ativa na discussão, intervindo em defesa do setor que, em Portugal, é responsável por uma terça parte das exportações da indústria transformadora.
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