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Informação profissional para a indústria metalomecânica portuguesa

Entrevista com João Faustino, presidente da Associação Nacional da Indústria de Moldes (Cefamol)

“O Estado deveria ser o primeiro a investir na indústria automóvel europeia, comprando carros elétricos fabricados na Europa e não na China”

Luísa Santos04/11/2024

A braços com a crescente concorrência asiática, a indústria de moldes portuguesa atravessa um período desafiante, agravado pela conjuntura geopolítica que está a afetar alguns dos principais mercados das empresas nacionais. Uma tempestade perfeita, que irá certamente deixar mazelas num setor há muito habituado a navegar em águas turbulentas. Conversámos com João Faustino, presidente da Cefamol, para perceber a dimensão do problema e que medidas, na sua opinião, deveriam ser tomadas para apoiar o setor nesta fase.

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Os últimos anos têm sido particularmente desafiantes para a indústria de moldes portuguesa. Como avalia a situação atual do setor e que fatores contribuíram para tal?

Os problemas no setor começaram em 2018, com o ‘diesel gate’ nos Estados Unidos, que afetou os grandes construtores de automóveis, já que todos eles andavam a omitir a quantidade de CO2 que os seus carros emitiam para a atmosfera. Neste contexto, houve um senhor chamado Elon Musk, um verdadeiro génio, que se aproveitou da situação e decidiu aumentar a capacidade de produção de carros elétricos. Perante isto, as grandes OEMs começaram a questionar-se sobre qual seria, de facto, o tipo de veículo (a diesel, a gasolina, híbrido ou elétrico) que mais se ajustaria às necessidades reais do mercado, tendo em conta não só as exigências de redução de emissões de CO2, mas também a sua própria competitividade.

A estratégia escolhida acabou por ser a de intensificar o fabrico de carros elétricos, o que, por si só, já foi uma má notícia para o setor dos moldes, porque estes veículos têm muito menos peças de plástico que os tradicionais. Mas, além disso, foi uma decisão tomada sem que se resolvesse antes a questão das infraestruturas de carregamento. Em consequência, as limitações de percurso levaram a uma retração no mercado, principalmente nos países de maior dimensão.

Entretanto, veio a pandemia, que como sabemos permitiu à China aumentar ainda mais o seu poder económico. Resultado: existem, neste momento, marcas de automóveis elétricos chinesas que não existiam há dez anos e que, com o pouco tempo de vida que têm, já lançaram seis, sete, oito modelos diferentes. E com uma qualidade que, em alguns casos, não é inferior à dos carros europeus, com uma vantagem: o preço.

Ou seja, neste momento temos dois problemas: por um lado, a enorme capacidade de produção de elétricos na China, com preços muito, muito atrativos e com uma tecnologia não inferior à europeia, e, por outro, a falta de competitividade dos fabricantes europeus. Ora, para onde for um carro chinês não vai um carro europeu. Isto vai trazer, com certeza, muitos desafios e dificuldades a todas as empresas que fazem parte deste ecossistema. Infelizmente, esta é e será a realidade.

Uma conjuntura para a qual as empresas que usaram as verbas do Portugal 2020 para modernizar as suas fábricas não estavam preparadas…

Na altura em que o Portugal 2020 foi lançado nós estávamos a crescer a dois dígitos. Todos os estudos indicavam que os anos seguintes trariam um aumento das vendas, do emprego, de solvabilidade financeira. Tudo apontava para haver cada vez mais atividade e, portanto, as empresas portuguesas fizeram o que deviam fazer para não perder competitividade e aumentar a eficiência de modo a aproveitar o negócio que estava a crescer.

Acontece que muitas delas investiram a contar com os prémios de realização. Prémios esses que, devido à alteração repentina da conjuntura, não conseguiram alcançar, o que faz com que algumas estejam a passar por situações delicadas.

Na sua opinião, há medidas a tomar a nível governamental para ajudar as empresas do setor a ultrapassar esta fase?

Há vários anos, e com maior intensidade desde 2020, que andamos a falar com os sucessivos governos para que sejam tomadas medidas de apoio ao setor. Uma delas já não é nova e teria um impacto muito significativo na saúde financeira das empresas, que é a criação de uma linha de financiamento suportada por instrumentos de proteção de Estado, para apoio à concretização de encomendas firmes e em curso para ultrapassar a extensão dos prazos de recebimento.

Além deste, há outro problema, tão ou mais importante, que é o prazo de pagamento cada vez mais dilatado das grandes empresas nossas clientes. Nós chegamos a estar a fabricar durante dois anos, ou mais, sem receber qualquer pagamento. Ou seja, muitos fabricantes são obrigados a financiarem-se, com todas as burocracias que isso implica e a altas taxas de juro, para poderem trabalhar.

No passado, bastava irmos ao banco com uma encomenda firmada para conseguirmos financiamento. Quando a empresa recebia o pagamento do cliente, esse valor era automaticamente direcionado para esse banco. Não havia a possibilidade de a empresa financiar-se num banco e depois receber por outro. Neste momento, tal não existe, apesar de ser algo pelo qual temos batalhado bastante. Aliás, está prevista para breve uma reunião com a tutela para discutir precisamente este assunto.

Por outro lado, também parece ter havido uma tentativa da parte das OEMs de passar uma parte do trabalho que antes era feita por eles, nomeadamente de I&D, para o fornecedor, não é assim?

Sim, sim. Atualmente, uma OEM é basicamente uma montadora. Algumas ainda fabricam os seus próprios motores, caixas de velocidades, fazem estampagem, mas a maioria subcontrata praticamente todas as peças que compõem um automóvel.

No caso dos moldes e das peças plásticas, acresce que todo esse trabalho de I&D que nós fazemos não só não é pago, como não é garantia de virmos a ganhar o projeto, já que, muitas vezes, eles pedem a duas ou três empresas para fazer o mesmo desenvolvimento. Mas só uma ganha o negócio. As outras ficam sem poder amortizar os custos que tiveram com esse desenvolvimento.

E não haveria uma forma de as empresas do setor se unirem para ganhar poder negocial?

Esse é um desafio que temos pela frente no setor, a necessidade de criar escala e dimensão para podermos ganhar poder negocial e concorrer a projetos de maior dimensão. É um tema que temos vindo a analisar e a discutir no seio da indústria e sobre o qual gostaríamos de lançar algumas iniciativas piloto que permitam demonstrar que tal poderá ser uma solução a ter em conta e a ser disseminada pelas empresas.

De qualquer modo, as empresas nacionais estão hoje muito melhor preparadas tecnologicamente do que estavam há poucos anos...

Nesse aspeto nós temos a tecnologia mais atualizada a nível mundial. Precisamente, para tentarmos tirar rendimento e ter coeficientes de aumento de produtividade e eficiência.

Isto facilita a entrada em outros segmentos de maior valor acrescentado?

Facilita, no entanto, os outros setores alternativos não absorvem a totalidade da capacidade instalada nas nossas empresas. De qualquer forma, estamos a fazer tentativas nesse sentido, tentando apoiar as empresas a diversificar mercados e áreas de intervenção.

Mas isto tem muito a ver com as atuais condicionantes geopolíticas. Vou dar-lhe um exemplo: a Alemanha era um grande exportador de máquinas de lavar roupa para a Rússia e para a Ucrânia. O que é que a Alemanha vende hoje para estes países? Nada. A Rússia era um grande importador de camiões feitos na Europa. Hoje, estes foram substituídos por camiões chineses.

Ainda assim, não existe um setor onde a qualidade seja determinante?

Existe, mas nem todas as empresas estão preparadas para trabalhá-lo. Estou a falar da indústria médica, que está muito concentrada em países como a Suíça, a Irlanda, a Alemanha, e os EUA, resultado de muitos anos de um intenso trabalho de investimento e aprendizagem. Em Portugal temos vindo a crescer nesta área, mas apenas num número limitado de empresas.

Quais são atualmente os principais mercados de destino dos moldes portugueses?

Neste momento, o nosso principal mercado é Espanha, seguido da Alemanha (que até há pouco ocupava o primeiro lugar) e de França. A Europa, no seu conjunto, representa cerca de 80% das nossas exportações.

E nos mercados emergentes, há algum que se destaque?

Sim, continuamos a exportar para o México e outros países, mas em menor quantidade que há uns anos atrás. A Europa Central, com a República Checa, Polónia, Eslováquia ou Roménia, têm, no seu conjunto, assumido uma posição bastante importante para o nosso setor, apesar da sua interação e dependência da Alemanha.

No último ‘market report’ da Cefamol, a Roménia aparece como um dos mercados de maior crescimento.

Sim, organizámos algumas viagens à Roménia porque é um mercado onde estão instalados players importantes, como a Renault, a Dacia e outros que fabricam para as restantes marcas, e daí já resultaram negócios. Esperamos que este relacionamento possa ser intensificado ao longo dos próximos anos.

E existe a possibilidade de fazerem no centro da Europa o mesmo que fizeram no México, ou seja, juntarem-se empresas portuguesas para terem lá instalações de fabrico?

Teriam de ser as empresas, individualmente, a decidir fazê-lo. Mas não é fácil, já que isso implica recursos (financeiros, humanos) que hoje estão mais limitados nas empresas. De qualquer forma, teremos de pensar em estratégias diferenciadoras e em cooperação que permitam enfrentar a concorrência internacional e manter o posicionamento de Portugal na região.

A diferença de preço já não é compensada pela qualidade?

Não. Os fabricantes de moldes chineses melhoraram a qualidade nos últimos anos. E vendem a metade do preço dos fabricantes europeus. É impossível concorrer com isto.

A única forma seria implementar políticas protecionistas?

Creio que tal poderia, a curto prazo, ser fundamental para garantir a sustentabilidade de muitas empresas, face às condições de concorrência desleal que enfrentam.

Mas há outras formas de protegermos a nossa indústria. Tomemos como exemplo os projetos públicos que se avizinham em Portugal, como o TGV. Quem é que vai ganhar os concursos para fornecer as locomotivas? Quais são as contrapartidas que Portugal vai exigir a esses países ou a essas empresas para, através de outras áreas de negócio, podermos ser nós também fornecedores desses países ou dessas empresas? Sei perfeitamente que existe uma Lei de Livre Concorrência vigente na Europa, mas é uma Lei que não nos beneficia.

Estas situações deviam estar acauteladas e este tema devia estar na ordem do dia. Tal como o facto de algumas autarquias, à conta do PRR, se estarem a equipar com autocarros elétricos feitos na China. Ou o facto de o Ministério da Saúde, este ano, num concurso público, ter comprado 53 carros elétricos chineses. Onde é que fica o interesse nacional? Pelo contrário, estamos a subvencionar as importações chinesas. O Estado deveria ser o primeiro a acautelar este tipo de compras, e não é.

Neste contexto, as empresas nacionais teriam vantagem em juntarem-se para ganhar competitividade?

Sim, a solução poderia passar por aí, já que nos permitiria ganhar escala. Mas não é fácil, porque seria necessário ultrapassar todo um conjunto de barreiras. Cada empresa tem o seu método de trabalho, a sua filosofia, a sua política comercial e de pagamentos, dependendo da capacidade financeira. Uniformizar todos estes aspetos não é fácil, mas possivelmente terá de ser esse o caminho.  

Sem essa possibilidade, o que resta às empresas fazer?

Otimizar a produção, aumentar a eficiência. Temos de fazer mais e melhor, em menos tempo, para conseguirmos vender mais barato. Esse é o nosso lema do dia a dia, que vamos conseguindo cumprir, mas ainda assim não conseguimos competir com os preços chineses. Não nos esqueçamos que também existe muita concorrência e falta de trabalho entre eles, o que faz com que sejam muito agressivos nos preços que praticam. Além de não lhes faltar mão de obra: os dados disponíveis indicam que, na China, existe um milhão de pessoas a trabalhar na indústria de moldes. Aqui temos aproximadamente nove mil trabalhadores no setor.

Mas existe falta de mão de obra no setor, em Portugal?

Neste momento, acredito que não, porque infelizmente encerraram algumas empresas e essa mão de obra foi absorvida pelas restantes, que necessitavam de mais trabalhadores. De qualquer forma, esse problema vai acabar por nos afetar, quando essas pessoas se reformarem. Os jovens não estão tão abertos a trabalhar na indústria como antigamente, porque, infelizmente, os salários não são o que já foram e a flexibilidade dos jovens hoje é diferente. E não há incentivos para que tal aconteça.

Que incentivos seriam necessários?

Acho que parte da solução pode passar por iniciativas como a promovida pela Universidade do Minho que este ano, pela primeira vez, não tinha alunos suficientes para abrir a licenciatura em Engenharia de Polímeros e que, graças ao apoio de várias empresas do setor, já tem. Basicamente, as empresas aderentes vão pagar as propinas dos alunos desta licenciatura, durante dois anos, algo que nós já fazemos com o Instituto Politécnico de Leiria há cerca de uma década.

Não deveria ter de ser assim, porque de facto esta é uma profissão com alta empregabilidade. Mas, claro, é um trabalho que exige muita dedicação e flexibilidade, condicionamentos que muitos jovens não querem ter como opção. E isto não é só em Portugal, é um problema global.

Qual é o papel da Cefamol perante todo este cenário?

O papel da Cefamol tem passado muito por agregar as empresas do setor em torno de projetos e ações que permitam enfrentar desafios comuns. Fóruns de partilha de ideias e análise destes temas têm sido uma constante, o que nos tem permitido preparar e promover um conjunto de iniciativas que, algumas delas, estamos prestes a lançar. Em paralelo, também a apresentação de propostas de atuação e politica pública, nomeadamente, na vertente do financiamento e capitalização têm sido uma constante.

A formação é outra das nossas apostas. Temos vindo a organizar múltiplas ações, precisamente, para dar às pessoas as ferramentas necessárias para poderem tirar o máximo rendimento dos equipamentos. Não nos vale de nada ter uma máquina de um milhão de euros, se depois as pessoas não sabem tirar o máximo partido dela. E não estou a falar apenas dos operadores, mas sim de toda a cadeia de processo. Desde a conceção do molde até à sua expedição, tudo tem de estar alinhado para maximizar as tecnologias disponíveis. A Cefamol está a ajudar as empresas neste caminho, contratando formadores com experiência na matéria, para passarem esse conhecimento aos profissionais do setor, de forma a que possam implementá-lo nas empresas onde trabalham.

Além disso, promovemos a participação em feiras e eventos internacionais, organizamos visitas a mercados externos, realizamos conferências sobre temas relevantes para o setor e continuamos a reforçar o nosso relacionamento com o poder político e com as instituições, para que nos oiçam.

Já se passaram alguns anos desde que se criou o cluster Engineering & Tooling from Portugal. Que balanço faz desta iniciativa, até à data?

O cluster foi fundamental neste período para reforçar competências e dar visibilidade à cadeia de valor do setor, desde a conceção até à produção da peça final, agregando na mesma plataforma empresas de moldes, de plásticos, centros de I&D, universidades, centros de formação e até autarquias. Tem sido muito importante para alinhar as empresas do setor e para promover a marca da engenharia de moldes portuguesa junto dos mercados externos. Neste aspeto, acho que temos sido bem-sucedidos (falamos a uma só voz).

Finalmente, e em jeito de síntese, quais diria que são os principais desafios e oportunidades do setor para os próximos anos?

Eu diria que os principais desafios são: conseguir mais encomendas, encurtar os prazos de pagamento e garantir linhas de crédito acessíveis que permitam o financiamento e sustentabilidade das empresas. Já as oportunidades vão depender, por um lado, da resolução dos atuais conflitos geopolíticos – a Rússia ou Israel, por exemplo, antes do início dos conflitos eram importantes compradores de moldes feitos em Portugal -, e por outro, da evolução da tecnologia no mercado automóvel.

Acredito que os carros elétricos vieram para ficar, mas ainda temos um longo caminho a percorrer até que todas as condições estejam reunidas para fazer florescer esse mercado. O mesmo acontece com o hidrogénio. É uma tecnologia interessante, mas que ainda está pouco desenvolvida e é muito cara. Compensará nos camiões, nos barcos e talvez nos aviões, mas nos carros ainda não.

Em resumo, vivemos tempos de muita incerteza, mas cá estaremos para continuar a fazer o nosso caminho, com a resiliência que nos caracteriza.

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