As tecnologias IT, AI, OT integradas nas máquinas e o ambiente tecnológico (IoT) apresentam novos riscos que é necessário salvaguardar
O aparecimento e rápido desenvolvimento de novas tecnologias têm vindo a alterar o paradigma de trabalho com máquinas, dando origem a novos perigos e riscos que suscitaram a necessidade de adaptar a legislação de segurança de máquinas e dotá-la de novos ‘Requisitos Essenciais de Saúde e Segurança’. Neste contexto, foi publicado a 14 de julho de 2023 o Regulamento (UE) 2023/1230, que substitui a diretiva 206/42/CE (diretiva máquinas). Este artigo aborda a evolução desta legislação ao longo da sua história e detalha as mudanças que se avizinham com a entrada em vigor do novo regulamento.
O intuito de harmonizar requisitos de segurança de máquinas e critérios de verificação do cumprimento dos mesmos surge na então Comunidade Económica Europeia com a publicação, em 1 de janeiro de 1993, da diretiva 89/392/CEE, desde então popularizada como ‘a diretiva máquinas’.
Decorria a transição da ‘Antiga Abordagem’, em que predominavam as legislações nacionais e os requisitos com a especificação detalhada dos aspetos técnicos dos produtos, para a ‘Nova Abordagem’ (NA) da harmonização técnica, caracterizada pela neutralidade tecnológica dos ‘Requisitos Essenciais de Saúde e Segurança’ (RESS), que estabelecem os objetivos a atingir, deixando para as normas europeias harmonizadas (NEH’s) a especificação dos métodos e dos aspetos técnicos adequados a ‘como cumprir aqueles requisitos’ e assim conducentes à comprovação da conformidade. As diretivas NA são transpostas pelos Estados Membros para os respetivos quadros legais. As NEH’s são elaboradas pelas organizações europeias de normalização sob mandato da Comissão Europeia e são de aplicação voluntária, sendo que conferem presunção de conformidade com os RESS a quem as aplique na conceção e fabrico das máquinas.
Atualmente, assiste-se à transição da NA para o Novo Quadro Legislativo (conhecido por pela sigla NLF – New Legistalive Framework) que visa melhorar o mercado interno reforçando as condições de colocação dos produtos no mercado da União Europeia (UE) por via de um conjunto de medidas destinadas a melhorar a fiscalização do mercado, a qualidade das avaliações da conformidade e a utilização da marcação ‘CE’.
No âmbito do NLF, as diretivas dão lugar a regulamentos que entram simultaneamente em vigor em todos os Estados-membros e que são adaptados aos respetivos quadros legais.
Os regulamentos estabelecem os RESS, enquanto as NEH’s mantêm o estatuto de aplicação voluntária, tendo a função de providenciar aos fabricantes os métodos e as especificações técnicas recomendadas para o cumprimento desses requisitos.
É consensual que a diretiva máquinas conta hoje com mais de 30 anos de história bem sucedida, durante a qual sofreu algumas alterações, a principal das quais na versão 2006/49/CE publicada em dezembro de 2016 entrada em vigor em 2009-12-29 (cronologia na fig. 1).
O aparecimento e rápido desenvolvimento de novas tecnologias (IT – Information Technologies, IoT – Internet of Things; OT – Operational Technologies; AI – Artificial Intelligence ML – Machine Learning; SM – Smart Manufactoring, …) têm vindo a alterar o paradigma de trabalho com máquinas, dando origem a novos perigos e riscos que suscitaram a necessidade de adaptar a legislação de segurança de máquinas e dotá-la de novos ‘Requisitos Essenciais de Saúde e Segurança’ (RESS).
É neste contexto que, no quadro do NLF, se efetuou a revisão da diretiva máquinas e se publicou, em 14 de julho de 2023, o Regulamento (UE) 2023/1230 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo às máquinas.
É hoje assumido que a prevenção do acesso do corpo humano, ou partes dele, a zonas perigosas das máquinas está resolvido. Muitas das soluções de segurança de máquinas (protetores móveis e/ou dispositivos optoelectrónicos) estão associadas a partes do sistema de comando relativas à segurança (funções de segurança), cuja fiabilidade tem de ser acautelada.
Mercê do ambiente tecnológico em que as máquinas operam, a atenção dada às medidas de segurança centra-se, sobretudo, no sistema de comando uma vez que o mesmo passa a estar sujeito a alterações indesejáveis suscetíveis de colocarem em perigo quem as opera, seja por erros ou automodificação do algoritmo, ou por vulnerabilidade a interferências externas (cibersegurança) do sistema de comando (Fig. 2). Na falta, em língua portuguesa, de termos diferentes para designar estes dois domínios de origem de fenómenos perigosos, adota-se aqui a terminologia inglesa designando por ‘safety’ o que respeita fenómenos de origem na própria máquina, e por ‘security’ o que se relaciona com interferências de origem externa à mesma.
O regulamento será plenamente aplicável a partir de 14 de janeiro de 2027. Até lá, mantém-se em vigor a diretiva máquinas. Contudo, os seguintes artigos estão em vigor desde as seguintes datas:
a) Os artigos 26.º a 42.º, a partir de 14 de janeiro de 2024;
b) O artigo 50.º, n.º 1, a partir de 14 de outubro de 2023;
c) O artigo 6.º, n.º 7, e os artigos 48.º e 52.º, a partir de 13 de julho de 2023;
d) O artigo 6.º, n.os 2 a 6, n.º 8 e n.º 11, o artigo 47.º e o artigo 53.º, n.º 3, a partir de 14 de julho de 2024.
Sendo certo que os perigos de corte, esmagamento, contacto com partes elétricas ativas, etc. continuarão a ser identificados nas máquinas independente do ambiente tecnológico em que operam, também é reconhecido que, atualmente, esse mesmo ambiente gera novos perigos e riscos que justificaram a revisão da diretiva máquinas e a sua substituição por este regulamento.
Como se descreve adiante, além do reordenamento dos anexos, o regulamento contém RESS relacionadas com os novos desafios da segurança de máquinas, clarifica alguns aspetos, designa e estabelece responsabilidades para os operadores económicos, e reorganiza o atual Anexo IV da diretiva máquinas (Anexo I do regulamento).
Principais objetivos do regulamento:
As principais alterações do Regulamento relativamente à diretiva máquinas (DM) incidem sobretudo:
a) Incorporar protetores ou dispositivos de proteção nessa máquina ou produto conexo, uma operação que exige a alteração do sistema de controlo de segurança existente; ou
b) Adotar medidas de proteção adicionais para assegurar a estabilidade ou a resistência mecânica dessa máquina ou desse produto conexo.
O grafismo da marcação ‘CE’ não se altera, mas:
3) No caso da conformidade de uma máquina ou um produto conexo ser avaliada em conformidade com o procedimento de avaliação da conformidade previsto no artigo 25.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), e no artigo 25.º n.º 3, alíneas b), c) e d), a marcação CE deve ser seguida do número de identificação do organismo notificado que participa nesse procedimento.
O número de identificação desse organismo notificado é aposto pelo próprio organismo ou, segundo as suas instruções, pelo fabricante ou pelo seu mandatário.
O regulamento distingue três categorias de máquinas e, para cada uma, os procedimentos de comprovação da conformidade que podem, ou não, implicar a intervenção de um Organismo Notificado (ON) conforme esquematicamente se descreve na figura seguinte:
Na categoria A contam-se:
Na categoria B incluem-se, entre outras:
1. Serras circulares (monofolha e multifolha) para trabalhar madeira e materiais com características físicas semelhantes …
…
9. Prensas, incluindo as quinadeiras, para trabalhar a frio os metais, com carga e/ou descarga manual, cujos elementos de trabalho móveis podem ter um movimento superior a 6 mm e velocidade superior a 30 mm/s.
…
18. Software que assegura funções de segurança.
19. Componentes de segurança com comportamento autoevolutivo (total ou parcialmente), que utilizem abordagens de aprendizagem automática que assegurem funções de segurança.
Este anexo inclui um número significativo de alterações relativamente à diretiva máquinas, de que se destacam os seguintes pontos:
1.1.6 - Ergonomia: estabelece os princípios para eliminar ou reduzir o incómodo, a fadiga e a tensão física e psíquica do operador nas condições previstas de utilização das máquinas.
1.1.9 - Proteção contra corrupção: a máquina ou o produto conexo (pdc) devem ser concebidos e fabricados de modo que a ligação de outro dispositivo a essa máquina, seja por meio de uma funcionalidade do próprio dispositivo ligado seja por meio de um dispositivo remoto que comunique com a máquina ou …, não dê origem a uma situação perigosa.
Os componentes de hardware para transmitir sinal ou dados, pertinentes para a ligação ou o acesso a software que sejam essenciais para que a máquina …, que cumpram os RESS aplicáveis, devem ser concebidos de forma a estarem adequadamente protegidos contra corrupção acidental ou intencional. A máquina ou o produto conexo devem recolher dados que evidenciem uma intervenção legítima ou ilegítima no componente de hardware mencionado, quando tal seja pertinente para a ligação ou acesso a software que seja essencial para o cumprimento de requisitos da máquina ou do produto conexo.
O software e os dados que sejam essenciais para que a máquina ou o produto conexo cumpram os requisitos essenciais de saúde e de segurança aplicáveis devem ser identificados como tal e devem estar adequadamente protegidos contra corrupção acidental ou intencional.
A máquina ou … devem identificar o software neles instalado que seja necessário ao seu funcionamento em condições de segurança e devem estar aptos a fornecer essas informações, em qualquer momento, num formato facilmente acessível.
A máquina ou … devem recolher dados que evidenciem uma intervenção legítima ou ilegítima no software, bem como uma modificação do software neles instalado ou da sua configuração.
1.2.1 - Segurança e fiabilidade dos sistemas de comando
Entre outros aspetos dos sistemas de comando, este ponto estabelece requisitos de segurança relacionados com os novos riscos associados às novas tecnologias e ao ambiente tecnológico em que as máquinas operaram, por exemplo:
d) Os limites das funções de segurança devem ser estabelecidos como parte da avaliação dos riscos efetuada pelo fabricante e não são autorizadas quaisquer alterações das definições ou regras geradas pela máquina ou pelo produto conexo ou pelos operadores, inclusive durante a fase de aprendizagem da máquina ou do produto conexo, quando tais modificações possam conduzir a situações perigosas;
f) O registo de rastreamento dos dados gerados em relação a uma intervenção e das versões de software de segurança instaladas depois de a máquina ou … terem sido colocados no mercado ou terem entrado em serviço seja ativado por um período de cinco anos após tal instalação, exclusivamente para efeitos de demonstrar a conformidade da máquina ou do produto conexo com o presente anexo no seguimento de um pedido fundamentado apresentado por uma autoridade nacional competente.
Os sistemas de comando de máquinas ou dos ‘pdc’ com uma lógica ou comportamento total ou parcialmente autoevolutivo que sejam concebidos para funcionar com vários níveis de autonomia devem ser concebidos e fabricados de modo que:
a) Não sejam responsáveis por que a máquina ou o produto conexo executem ações que ultrapassem a sua função e espaço de deslocação definidos;
b) O registo de dados sobre o processo de tomada de decisões relacionadas com segurança para sistemas de segurança baseados em software, que asseguram funções de segurança, incluindo os componentes de segurança, após a máquina ou … terem sido colocados no mercado ou terem entrado em serviço seja ativado e que tais dados sejam conservados por um período de um ano a contar da data da sua recolha, exclusivamente para efeitos de demonstrar a conformidade da máquina ou do produto conexo com o presente anexo no seguimento de um pedido fundamentado apresentado por uma autoridade nacional competente;
3 - Requisitos essenciais de saúde e de segurança complementares para limitar os riscos associados à mobilidade das máquinas …
3.1.1 - ‘Definições’:
d) ‘Supervisor’, a pessoa encarregada da supervisão de máquinas móveis autónomas;
e) ‘Função de supervisão’, a vigilância à distância, com caráter não permanente, de máquinas móveis autónomas executada por um dispositivo que permite receber informações ou alertas e dar ordens limitadas às máquinas em causa.
3.2.4 - Função de supervisão
Quando pertinente, as máquinas ou os ‘pdc’ móveis autónomos devem dispor de uma função de supervisão específica do modo autónomo … Esta função deve permitir ao supervisor receber informações transmitidas à distância pela máquina. A função de supervisão só deve permitir ações que visem a paragem e o arranque à distância da máquina … ou a sua transferência para uma posição segura e um estado seguro, a fim de evitar causar outros riscos. Deve ser concebida e fabricada de forma que essas ações só sejam permitidas quando o supervisor possa ver direta ou indiretamente a área de deslocação e de trabalho da máquina e quando os dispositivos de proteção estiverem operacionais. …
Os procedimentos de comprovação da conformidade pressupõem a existência das NEH’s fundamentais para apoiar os fabricantes no cumprimento dos RESS aplicáveis às máquinas que concebem e fabricam.
O trabalho de atualização e adaptação das mais de 800 normas de segurança de máquinas ao novo regulamento e a elaboração e harmonização de normas relacionadas com os novos perigos e riscos associadas às tecnologias IT, AI, OT integradas nas máquinas e o ambiente tecnológico (IoT) em que operam exigem das entidades de normalização europeia um grande esforço de concretização para, atempadamente, disponibilizar aos operadores económicos essas mesmas normas como instrumentos de apoio à comprovação da conformidade das máquinas.
Este trabalho está em curso e espera-se que esteja concluído aquando da entrada em vigor do regulamento (UE) 2023/1230, em 14 de janeiro de 2027.
Na ausência destas normas, a Comissão Europeia dotou-se de poderes para publicar especificações técnicas que (periodicamente) estabeleçam prescrições elaboradas na acessão dos RESS para cuja comprovação da conformidade não estejam disponíveis as NEH’s.
O regulamento será plenamente aplicável a partir de 14 de janeiro de 2027, no entanto, já estão em vigor uma série de regras que é necessário ter em conta.
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