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Informação profissional para a indústria metalomecânica portuguesa

Entrevista com Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal (AIMMAP)

"O setor metalúrgico e metalomecânico tem condições para continuar a ser o principal pilar da indústria transformadora e da economia portuguesa"

Luísa Santos18/10/2023

Apesar da enorme volatilidade dos mercados nos últimos anos, as empresas do setor metalúrgico e metalomecânico tiveram, no primeiro semestre de 2023, os melhores resultados de sempre, com as exportações a somarem 12.865 milhões de euros, 11,6% acima do período homólogo. Em entrevista à InterMetal, Rafael Campos Pereira, vice-presidente executivo da AIMMAP, mostra-se cauteloso em relação aos próximos meses, mas deixa uma nota de confiança para o futuro do setor que, a par do turismo, mais contribui para o PIB nacional.

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Indicadores como os sucessivos recordes de exportações espelham a notável evolução do setor metalúrgico e metalomecânico nos últimos anos. Que fatores contribuíram para este crescimento?

Este crescimento está assente em estratégias delineadas pelas empresas, com o apoio da AIMMAP e de várias entidades de suporte, no sentido de apostarem cada vez mais na diferenciação. Falamos não apenas do investimento em tecnologia, que também é importante, mas da aposta em certificação, propriedade industrial, design, comunicação, marca, entre outros. Manifestamente, nos últimos anos assistimos a uma mudança de paradigma, com muitas empresas a deixarem de competir com base em preço e a apostarem na qualidade, com claros ganhos de valor acrescentado.

Por outro lado, as empresas nacionais têm algumas características que foram determinantes neste processo, desde a versatilidade e capacidade de dar resposta a pequenas séries e a mercados de nicho à especialização e capacidade de adaptação das estruturas. Todos estes fatores aliados ao investimento em tecnologia e a fatores funcionais, como a formação profissional e a qualificação dos nossos ativos, comportaram um investimento notável e contribuíram para o crescimento exponencial do setor na última década, com muitas empresas a mais que duplicarem as suas exportações.

No caso do investimento em tecnologia, o Portugal 2020 foi determinante?

Sim, é verdade, houve algum suporte por parte desse programa. Mas devo dizer que, apesar de tudo, sendo certo que em Portugal há um grande problema de capitalização das empresas, os índices de capitalização do setor metalúrgico e metalomecânico são muito superiores à média nacional. Aliás, estudos feitos pelo Banco de Portugal indicam que, a esse nível, comparamos muito bem com a indústria metalúrgica e metalomecânica alemã. Isso também contribuiu para que se pudessem fazer esses investimentos.

Mas, sim, claro que também recorremos aos programas de apoio e estamos, naturalmente, expectantes em relação ao Portugal 2030, com os atrasos que já se perspetivam e que nos preocupam, tal como também nos inquietam os constrangimentos e alguma indefinição no PRR.

Qual é a sua primeira reação ao Plano Anual de Avisos do Portugal 2030, publicado há poucas semanas?

A primeira reação é que os projetos de internacionalização individuais continuam a ser empurrados para a frente. Desde 2019 que não há projetos de internacionalização para as empresas e essa é uma opção política que lamentamos, já que nos coloca em posição de desvantagem face à concorrência europeia. As empresas italianas, espanholas, polacas ou eslovenas recorrem aos instrumentos que os fundos europeus lhes proporcionam para incrementarem a sua presença nos outros mercados (europeus e não só).

Eu costumo dizer às nossas empresas que temos que contar connosco mesmos. Mas, se há fundos para alavancarem e potenciarem a convergência europeia, devem ser canalizados para os agentes da economia, ou seja, para as empresas.

Como se caracteriza atualmente o setor?

O setor metalúrgico e metalomecânico português é constituído por cerca de 22 mil empresas, a grande maioria microempresas. No fundo, reflexo da realidade portuguesa, cujo tecido empresarial é composto por muitas microempresas, algumas pequenas, poucas médias e pouquíssimas grandes empresas. Temos, talvez, mais grandes empresas que a média nacional.

Em números gerais, o setor emprega atualmente cerca de 250 mil pessoas. Em 2022 exportou 23 mil milhões de euros e, em 2021, contabilizou um volume de negócios de 34 mil milhões de euros (ainda não temos números do ano passado), com um valor acrescentado bruto na ordem dos nove mil milhões de euros.

E qual é o grau de digitalização destas empresas?

Neste momento, não é possível saber exatamente qual é o grau de digitalização do setor. No entanto, empiricamente, sabemos que é uma realidade crescente. Vemos muitas empresas a realizar investimentos importantes nesta área e acreditamos que o PRR e as Agendas Mobilizadoras podem ter um papel importante para, nos próximos anos, nos aproximarmos dos níveis dos países do Norte da Europa.

Para ajudar as empresas nesse caminho, estamos fortemente envolvidos com o Produtech, e com diversas empresas do setor, num projeto liderado pela Colep que tem como objetivo, precisamente, impulsionar a digitalização do setor metalúrgico e metalomecânico a partir das tecnologias de produção, mas que poderá beneficiar todos os outros setores utilizadores. Além disso, o Catim, o nosso centro tecnológico, também participa ativamente em iniciativas com o mesmo objetivo. Adicionalmente, mantemos uma estreita relação com o INEGI, do qual fomos sócios-fundadores, e com o INESC TEC, ambos muito envolvidos em projetos desta natureza, cujos resultados disseminamos junto dos associados da AIMMAP.

Quais são os principais mercados destino das exportações nacionais de metalurgia e metalomecânica?

Espanha, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Estados Unidos, por esta ordem.

Têm vindo a surgir empresas que tiram partido das valências do país neste setor para desenvolver equipamentos de alto valor acrescentado. Mas, são poucos exemplos. O que falta para darmos esse salto?

Temos vários fabricantes de tecnologia, como a Cheto, a Moldmak, a Adira e a CEI, para citar apenas alguns, que são casos de sucesso a nível internacional. A Adira, inclusive, tem feito um investimento notável em digitalização e na indústria 4.0. Mas também temos várias empresas no subsetor da fundição a investir nesta área, como a Fundiven ou a Ferespe, por exemplo.

Por outro lado, são vários os exemplos de empresas do setor que, além do investimento em tecnologias de produção, têm apostado fortemente na produção de peças técnicas de elevado valor acrescentado. Estamos a falar de empresas que trabalham em regime de subcontratação para grandes grupos de vários segmentos da cadeia de valor e que produzem peças para vários setores, o que lhes dá uma grande capacidade de adaptação e lhes permite ‘fintar’ as crises com mais facilidade.

Mas, concorda que há espaço para crescer?

Sim, há imenso espaço para crescer.

A falta de mão de obra, de que a grande maioria das empresas se queixa, pode ser um entrave ao crescimento futuro?

Já é um entrave importante. As novas gerações simplesmente não estão disponíveis para trabalhar no chão de fábrica. Para contornar este problema, temos de criar condições nas nossas empesas para diluir progressivamente a fronteira entre o trabalho manual (muito estigmatizado) e o trabalho intelectual. Os jovens querem estar envolvidos em processos criativos, querem pensar, conceber, criar e não meramente executar.

Esta dificuldade tem sido, de algum modo, mitigada pela imigração. Mas esta é uma solução transitória. Rapidamente, os filhos destes imigrantes vão passar a pensar da mesma maneira que pensam os jovens portugueses.

No âmbito desta problemática, importa dizer que, muitas vezes, ouvimos críticas ao investimento em tecnologia como se a intenção da indústria fosse diminuir os postos de trabalho. De todo. Com o processo de digitalização, a nossa intenção é substituir postos de trabalho obsoletos por outros com maior densidade tecnológica, ocupados por perfis profissionais com mais valor acrescentado. Para tal, por um lado, precisamos que a oferta de jovens formados seja ajustada a este novo paradigma e, por outro, precisamos de dar formação profissional aos quadros existentes.

A substituição dos perfis profissionais nas empresas é uma necessidade premente, temos de inverter o rácio entre os postos de trabalho de alto valor acrescentado e os de baixo valor

Há poucos meses, em entrevista à InterMetal, Wilfried Schäfer, diretor executivo da Associação Alemã de Fabricantes de Máquinas-Ferramentas (VDW), defendia que os centros de formação do setor, de toda a Europa, deveriam poder incluir a formação superior nas suas valências. Esta poderia ser uma solução para o problema?

Poderia e deveria. O problema é que, em Portugal, teríamos a resistência quer do Ministério da Educação quer do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Entretanto, de que forma está a ser preenchida essa lacuna?

A AIMMAP tem vindo a estabelecer diversas parcerias com instituições como o Instituto Politécnico do Porto, mas também com o INEGI e o INESC TEC. No âmbito do nosso cluster de tecnologias de produção, o Produtech, temos parcerias com a Católica, o Instituto Superior Técnico, entre outras instituições. Já ao nível do ensino profissional, contamos com o Cenfim, o nosso Centro Protocolar de Formação Profissional, em parceria com o IEFP, onde temos um papel mais ativo na definição dos conteúdos programáticos. O nosso objetivo é aumentar, tanto quanto possível, a colaboração com todas estas instituições.

Além deste, que outros desafios enfrenta atualmente o setor?

Os dois grandes desafios da atualidade são o da transição digital e da transição energética, ambas fundamentais para o futuro do setor.

No que se refere à transição energética, as nossas empresas têm investido muito, e cada vez mais, em fontes de energia alternativas, por exemplo, com a instalação de painéis solares nas fábricas ou com a substituição de combustíveis fosseis por soluções neutras em emissões de carbono.

A transição digital é, igualmente, um desafio extraordinário, ao qual creio que estamos a responder de forma muito positiva. Como referi anteriormente, as nossas empresas estão cada vez mais digitalizadas, têm uma participação ativa em projetos deste âmbito, por isso acho que estamos no bom caminho.

Considerando que muitas destas empresas têm um consumo intensivo de energia, como é que a atual instabilidade dos mercados energéticos afetou, ou afeta, o setor?

De facto, temos alguns subsetores, como o da fundição, que são fortes consumidores de energia. Outros não tanto. De qualquer forma, este é um tema muito importante para a AIMMAP e, por isso mesmo, temos vindo a desenvolver ações para promover a eficiência energética nas empresas e para as ajudar a baixar os custos com energia, através da compra coletiva de eletricidade e de gás natural.

É verdade que, em 2021, pagámos a energia mais cara de sempre, mas mesmo assim, graças às iniciativas da AIMMAP e à redução das tarifas de acesso (a medida mais importante que o Governo adotou nos últimos anos), em termos médios, pagámos um valor inferior ao do ano anterior. Já no primeiro semestre de 2023, com a redução dos preços e a manutenção das tarifas de acesso negativas, tivemos a energia mais barata de sempre. É uma volatilidade quase inacreditável, agravada pela instabilidade em outros fatores de produção determinantes, como o preço das matérias primas.

Este ano, muitos destes fatores estabilizaram o que, juntamente com o aumento das vendas, fez com que o primeiro semestre de 2023 fosse o melhor de sempre para o setor, a todos os níveis. No entanto, o segundo semestre está novamente a ser muito difícil. Na maioria dos nossos subsetores, as encomendas estão a baixar significativamente. Simultaneamente, temos indicações de que os nossos concorrentes asiáticos estão a reduzir para metade os seus preços, o que só é possível com apoios de estado. Este facto está a neutralizar o efeito da chamada ‘globalização fragmentada’, ou seja, a tendência para se comprar dentro do mesmo bloco geográfico ou cultural, de que beneficiamos anteriormente.

Toda esta instabilidade poderia, de alguma forma, ser apaziguada por uma maior alocação de verbas do PRR às empresas?

Sim, claro. Eu admito que há investimentos públicos que são fundamentais para agilizar a economia, como a melhoria de infraestruturas ou a modernização da Administração Pública, por exemplo. Mas as verbas do PRR estão a ser usadas para financiar a despesa pública corrente. Se fossem canalizadas para as empresas, seriam usadas para gerar valor, com claro benefício para o país.

A AIMMAP apresentou, em maio, a ‘Visão Estratégica 2030 do Setor Metalúrgico e Metalomecânico’. Quais são os principais objetivos desta iniciativa?

O principal objetivo é consolidar o trabalho que fizemos nos últimos anos, mas com uma visão estratégica clara para a próxima década, com vista ao crescimento do setor e ao aumento dos índices de produtividade. Para tal, prevemos levar a cabo uma série de medidas, onde se incluem ações de formação, de retenção de talentos, de internacionalização, de promoção das vendas, de aumento da tecnologia dentro das empresas, entre outras. Todas estas iniciativas vão ser integradas, sempre que possível, nas agendas mobilizadoras do PRR e em programas do 2030.

Quantos associados têm atualmente?

Temos mais de mil associados, incluindo todas as grandes e médias empresas portuguesas do setor, a maior parte das pequenas e algumas microempresas.

Que valências oferece a associação às suas empresas?

Desde logo, enquanto associação de empregadores, negociamos os contratos coletivos de trabalho com os sindicatos. Além disso, temos um departamento jurídico com quadros permanentes, que presta apoio jurídico aos associados; temos um departamento de ambiente; promovemos ações de internacionalização; apoiamos as empresas nas candidaturas aos programas europeus; organizamos missões inversas, bem como presenças coletivas em feiras internacionais (por exemplo, no Midest onde, desde 2011, graças à AIMMAP, Portugal tem a maior presença estrageira).

Na área da formação, temos a Academia da Internacionalização para ajudar as empresas nesse processo, desenvolvemos programas de formação-ação e estabelecemos protocolos com entidades externas.

Além da compra de energia em grupo, que já mencionei, estabelecemos protocolos na área dos seguros, e noutras, para benefício das nossas empresas.

Por outro lado, fazemos lobby, mantemos um contacto permanente com as entidades e associações europeias em que estamos envolvidos, nomeadamente com a Orgalim, que é a grande associação de metalurgia, metalomecânica e eletrónica europeia, e com a Cecimo, associação de fabricantes de máquinas-ferramenta. Estamos igualmente muito envolvidos na atividade da CIP e fazemos parte da administração das várias entidades de suporte do setor: Catim, Cenfim, Certif, INEGI. Desta forma, conseguimos que os nossos associados acedam aos serviços prestados por estas entidades em condições preferenciais.

Em resumo, toda a nossa atividade tem como propósito acrescentar valor às nossas empresas. E isso reflete-se na nossa capacidade de mobilização das empresas e na confiança que elas depositam na associação. Há um grande sentimento de pertença dos nossos associados em relação à AIMMAP.

Numa nota final, como vê o futuro do setor?

O setor metalúrgico e metalomecânico tem condições para continuar a ser o principal pilar da indústria transformadora e da economia portuguesa, a par do turismo. De facto, os próximos meses perspetivam-se difíceis, devido à concorrência asiática que já referi. A atual conjuntura de inflação, taxas de juro elevadas e volatilidade dos mercados resultam, em grande medida, de decisões erradas tomadas durante a pandemia que estão a afetar a economia mundial, inclusive as empresas asiáticas. O problema é que essas têm apoios de estado e, portanto, concorrem de maneira desleal com as demais.

De qualquer forma, esperamos que, em 2024, esta situação seja ultrapassada e que as empresas possam retomar o crescimento que tem vindo a ser consolidado ao longo da última década. Para tal, precisamos que o Governo e a Administração Pública não sejam hostis à atividade empresarial e que se estimule a criação de riqueza no país.

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