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Informação profissional para a indústria metalomecânica portuguesa
“Os fornecedores da indústria automóvel têm de aceitar, antecipar e gerir as novas tendências do setor”

Entrevista com Rui Paulo Rodrigues, Vice-Presidente do Grupo Simoldes

Luísa Santos15/10/2020

O nome Simoldes é uma das principais bandeiras nacionais quando se fala de produção de moldes e plásticos, a nível global. Com 60 anos de atividade completados no ano passado e 32 empresas espalhadas pelo globo, a empresa de Oliveira de Azeméis, criada inicialmente por António Rodrigues para fabricar moldes para brinquedos, mantem o cariz familiar e aposta na inovação para fazer face aos desafios do setor. Nesta entrevista, Rui Paulo Rodrigues, Vice-Presidente do Grupo, conta-nos como é que a Simoldes viveu, e está a viver, a crise provocada pela pandemia de Covid-19 e explica-nos o que está a acontecer no setor automóvel, um dos principais clientes dos fabricantes de moldes e plásticos nacionais.

Rui Paulo Rodrigues, Vice-Presidente do Grupo Simoldes

Rui Paulo Rodrigues, Vice-Presidente do Grupo Simoldes.

A crise que vivemos hoje, provocada pela pandemia de Covid-19, obrigou muitas empresas portuguesas dos setores de moldes e plásticos a diminuir a sua atividade. Como é que o Grupo Simoldes está a viver esta conjuntura?

A atual pandemia tem vindo a afetar de forma muito relevante o Grupo Simoldes. Desde logo, ao nível do chão de fábrica, porque tivemos de instituir vários novos processos e rotinas para garantirmos a proteção e distanciamento entre colaboradores, incluindo a definição e implementação de novos turnos de trabalho. Na parte administrativa, os colaboradores foram convidados a recorrer ao teletrabalho.

Por outro lado, é preciso não esquecer que alguns clientes OEM pararam a sua atividade, o que nos obrigou a parar as nossas fábricas da divisão de plásticos, a nível doméstico e internacional, durante algum tempo. Após esse período de paragem, a divisão de plásticos recuperou muito bem, com um aumento rápido e forte da cadência de produção, que se mantem.

Nos moldes, por causa do clima de incerteza que os nossos clientes estão a viver, a colocação de novas encomendas tem vindo a sofrer vários adiamentos e a situação está agora bastante mais difícil. No entanto, até à data, nenhuma das nossas fábricas de moldes parou a sua atividade.

Pode falar-nos um pouco dos projetos desenvolvidos pela Simoldes na luta contra a pandemia?

Em plena reorganização de horários e de produção, começámos a fazer viseiras para oferta, contando com o contributo integrado das nossas divisões de moldes e plásticos. Podíamos estar a trabalhar em ventiladores, e até fomos contactados nesse sentido, mas sabemos que não temos conhecimento interno nessa área e tudo seria naturalmente muito mais lento. Assim, ficámos pelas viseiras e, com este passo, esperamos ter dado um pequeno contributo para que o país acabe por precisar de menos ventiladores.

Um dos indicadores da urgência colocada no projeto foi o desenvolvimento do molde em tempo recorde, com o envolvimento de todos a garantir a conclusão numa semana de uma fase do processo que, em condições normais, poderia ter demorado dois meses.

Entretanto, estamos também a desenvolver uma máscara em parceria com elementos do MIT. Este projeto surge através de um colaborador nosso que, durante a fase de quarentena, participou numa plataforma online, onde pessoas de vários continentes colaboram no esforço de combate à Covid-19.

Viseira produzida pela Simoldes no início da pandemia

Viseira produzida pela Simoldes no início da pandemia.

O setor automóvel é um dos mais afetados pela pandemia. Sendo o principal setor cliente da Simoldes, que medidas está a empresa a tomar para compensar esta quebra?

Estamos a implementar medidas que passam pela otimização muito significativa de processos, eficiência e produtividade, redução de custos fixos e variáveis, reforço significativo das ações e iniciativas comerciais, congelamento de investimentos, assim como adesão a algumas medidas de apoio à indústria promovidas pelo Estado.

Existe algum outro setor emergente que possa ocupar o lugar do automóvel?

Não obstante a nossa elevada especialização e exposição estratégica à indústria automóvel, o certo é que os nossos moldes e componentes podem servir, e servem, vários outros mercados como o da embalagem, construção, houseware, aeronáutica, energia, entre outros.

É natural que, entretanto, venham a surgir importantes oportunidades de negócio nestes mercados, de forma a compensar, ou até mais que compensar, as quebras. Por outro lado, continuam a existir oportunidades muito interessantes, de elevado valor acrescentado e assentes em competências distintivas, no setor automóvel, em segmentos como, por exemplo, a luminária.

Com ou sem pandemia, as mudanças na indústria automóvel são uma realidade, com conceitos como a mobilidade elétrica e a construção leve a ganharem expressão. Na prática, o que é que isso significa para os fornecedores de moldes e de peças plásticas?

Significa que temos que aceitar, antecipar e gerir essas tendências. E é exatamente isso que um fornecedor global de moldes, peças plásticas e serviços de engenharia e design industrial, como é o Grupo Simoldes, faz e continuará a fazer.

Exemplo disso mesmo é a nossa aposta em aspetos como a conceção e desenvolvimento de novos moldes, que permitam reduzir os ciclos de injeção e as taxas de desperdício de peças e de plástico, o desenvolvimento de novos materiais, incluindo bioplásticos e nanopartículas, a otimização de processos ou o reforço sustentado da eficiência produtiva e energética, com recurso ao paradigma 4.0 e à digitalização.

Por outro lado, estamos envolvidos em diversos projetos, em articulação com reputadas entidades nacionais e internacionais do Sistema Científico e Tecnológico (SCT), cujo objetivo é desenvolver peças plásticas mais leves, que permitam uma redução efetiva do consumo de combustíveis e das emissões de CO2 associadas. Dou-lhe o exemplo de um projeto muito interessante que pretende facilitar a utilização de painéis fotovoltaicos mais leves em áreas diversificadas de forte incidência solar num automóvel, garantindo assim o autoconsumo.

Simultaneamente, temos vindo a investir no fabrico aditivo de componentes moldantes e de peças específicas com elevada componente de design, a enquadrar no interior dos automóveis, e que, articuladas com o desenvolvimento de sistemas inteligentes, permitem novas experiências e interfaces na relação entre o utilizador e o automóvel (HMI).

Postiços para moldes. A empresa aposta do fabrico aditivo para fazer face às exigências da indústria automóvel
Postiços para moldes. A empresa aposta do fabrico aditivo para fazer face às exigências da indústria automóvel.

De facto, a Simoldes Aços anunciou recentemente a inauguração do seu laboratório de sinterização. Trata-se, então, de um investimento motivado pelas mudanças na indústria automóvel?

Sim, o mercado automóvel é cada vez mais exigente e rigoroso. Os critérios de qualidade, fiabilidade, eficiência, produtividade, resistência, design e customização que impõe são muito elevados. Tudo isto motivado pela apertada legislação regulamentar a nível europeu e mundial, que impõe uma redução significativa das emissões de CO2, em muitos casos com objetivos perfeitamente definidos até 2030.

É neste contexto que nasce o projeto de I&D ‘NANO-SIM 3D’, liderado pela Simoldes Aços, em co-promoção com a Simoldes Plásticos e a Universidade de Aveiro, e a correspondente aposta na área da sinterização e da produção aditiva, que procura dar resposta cabal e rigorosa a estes desafios, posicionando-se para alcançar quatro objetivos bem definidos:

  1. Inovação mundial no produto, através do desenvolvimento de novos materiais nanocompósitos de matriz metálica e de matriz termoplástica. Pretende-se desenvolver novas formulações incorporadoras de nanopartículas passíveis de comercialização à escala global e para um conjunto alargado de indústrias clientes (e.g. mobilidade, packaging, houseware, etc.).
  2. Inovação mundial ao nível do produto, através de novos componentes moldantes, baseados em nanocompósitos de matriz metálica, de desempenho mecânico e térmico otimizado para moldes de injeção.
  3. Inovação mundial no produto através do desenvolvimento de componentes termoplásticos em nanocompósitos de matriz polimérica, que permitirá apresentar novas peças termoplásticas francamente mais inovadoras e diferenciadas, ao nível das suas caraterísticas mais críticas, nomeadamente ao nível da geometria, do peso, da espessura, da resistência, da relação qualidade-preço, do tempo de arrefecimento das peças, aquando da sua injeção, com ganhos estimados em termos de peso e desempenho mecânico superiores a 20%.
  4. Inovação no processo para a Simoldes Aços, adotando as melhores práticas ao nível da fabricação aditiva com recurso à sinterização a laser.

O laboratório está disponível para outras empresas?

Não, está disponível apenas para as empresas do grupo.

O novo laboratório de fabrico aditivo da Simoldes está equipado com uma máquina de sinterização Renishaw RenAM 500Q
O novo laboratório de fabrico aditivo da Simoldes está equipado com uma máquina de sinterização Renishaw RenAM 500Q.

Que outros investimentos recentes, quer na divisão de moldes, quer na divisão de plásticos, gostaria de destacar?

Destaco os investimentos efetuados no centro de fresagem e no centro de ensaios, bem como vários investimentos na área da inovação produtiva em diferentes empresas das divisões de plásticos e moldes.

Simultaneamente, investimos tempo e recursos em projetos de I&D em co-promoção com entidades do SCT nacional e internacional, envolvendo empresas das duas divisões, quer nas áreas do 4.0 e digitalização, quer na fabricação aditiva e em novas formas de conceção e desenvolvimento de moldes, da eficiência energética e das energias renováveis ao nível da sua aplicação nos novos automóveis.

Gostaria de salientar ainda os investimentos mais recentes na área do marketing e comunicação do Grupo, para os seus diferentes públicos alvo (corporativo, sociedade, clientes e colaboradores), entre outros projetos e iniciativas.

Novo Centro de Ensaios do Grupo Simoldes
Novo Centro de Ensaios do Grupo Simoldes.

Em que fase está a empresa na chamada transformação digital?

A Simoldes tem em curso algumas iniciativas e projetos de transformação digital, tanto na área dos processos como da produção. Destaco o projeto de grande alcance que vamos lançar em breve e que envolve a digitalização de todas as nossas fábricas na divisão de plásticos e o respetivo sistema de informação de apoio à gestão. É um projeto extremamente ambicioso que vai determinar avanços muito significativos em matéria de análise avançada de dados, operações remotas, sensores avançados, máquinas inteligentes, inteligência artificial e algoritmos preditivos, produção aditiva, robotização, para mencionar apenas algumas das tecnologias core que irão ser implementadas.

Destaque também para o projeto Simoldes 4.0, de I&DT, promovido pela divisão de moldes e apoiado pelo Portugal 2020, que está, neste momento, em fase de conclusão. Trata-se de um projeto disruptivo na área da sensorização de moldes, que vai permitir que, em qualquer momento e em qualquer local, um colaborador interno ou um cliente possam conhecer o estádio de desenvolvimento de um molde, detetar desvios e tomar decisões rápidas e efetivas que permitam a sua correção.

A UE quer incentivar a indústria a tornar-se mais ecológica. A Simoldes desenvolveu ou tem projetos para tornar a sua atividade ambientalmente mais sustentável?

A Simoldes tem vindo a desenvolver vários projetos de I&D e inovação que vão ao encontro, precisamente, da preservação do desiderato da sustentabilidade ambiental, designadamente com a conceção e desenvolvimento de novos moldes que permitem reduzir os ciclos de injeção e as taxas de desperdício de peças e de plástico, o desenvolvimento de novos materiais, incluindo bioplásticos e nanopartículas, a otimização de processos e o reforço sustentado da eficiência produtiva e energética, com recurso também ao paradigma 4.0 e da digitalização, a utilização de energias renováveis para autoconsumo, a produção de peças mais leves, indutoras da redução do consumo de combustíveis e do nível de emissões de CO2 nos automóveis, a utilização de painéis fotovoltaicos mais leves em áreas diversificadas de forte incidência solar num automóvel, permitindo o seu efetivo autoconsumo e reduzindo o seu consumo de combustíveis e a concomitante emissão de CO2, e com o desenvolvimento de veículos com motorização elétrica e a hidrogénio, em articulação com reputadas entidades, domésticas e internacionais, do Sistema Científico e Tecnológico.

A Simoldes recebeu recentemente uma menção honrosa atribuída pela PSA. O que é que distingue a empresa da concorrência, no panorama internacional?

Creio que o que mais nos caracteriza no panorama internacional é a confiança e as relações comerciais de longo prazo que estabelecemos com os nossos parceiros e clientes. Estamos muito focados em entender e antecipar as necessidades do cliente e esforçamo-nos por apresentar soluções integradas do tipo ‘one-stop shop’, que vão desde o design, desenvolvimento e expertise, passando pela fabricação até ao serviço pós-venda, incluindo a manutenção e retificação de moldes.

O reconhecimento que temos tido no mercado decorre, por um lado, desse posicionamento alargado na cadeia de valor, mas também da nossa presença global e da excelente relação qualidade/flexibilidade/prazo/preço que oferecemos. A tudo isso acresce, claro, a nossa capacidade de engenharia e desenvolvimento, e as competências e know-how do nosso capital humano.

Vista parcial da Simoldes Aços
Vista parcial da Simoldes Aços.

Os países asiáticos continuam a ser grandes concorrentes da indústria de moldes nacional?

Claro que sim. Os fabricantes chineses, para além de vantagens importantes em matéria de custos de produção e dimensão/escala, contam hoje com tecnologia de ponta que lhes permite competir, já não apenas com preços baixos, mas também com qualidade de produção e prazos de entrega apertados. São concorrentes que nos desafiam cada vez mais e que nos obrigam a aprimorar os fatores competitivos que nos distinguem.

Para concluirmos, na sua opinião, que consequências terá esta crise no futuro dos dois setores (moldes e plásticos)? Podemos vir a assistir, por exemplo, a uma ‘desglobalização’?

Às tendências ‘pesadas’ que enquadram o desenvolvimento futuro da indústria automóvel, relacionadas com a mobilidade elétrica e a hidrogénio, com o carro partilhado e autónomo, com a introdução maciça de TIC e digitalização do interior dos automóveis, configurando-os como novos espaços de conforto, lazer e entretenimento, com a emergência nesta indústria de novos players tecnológicos e de outras indústrias (que vão fazer enorme pressão sobre fornecedores tradicionais), entre outras, somam-se os efeitos das previsíveis quebras na procura global de automóveis, enquanto bens que não são de primeira necessidade.

A estes fatores de incerteza juntam-se, ainda, o crescente arrefecimento das relações internacionais e as ameaças de políticas protecionistas, de vária ordem, em muitos pontos do globo. Em resultado, é natural que a globalização arrefeça um pouco.

Nesse caso, o Grupo Simoldes tem que estar preparado para antecipar esta evolução e para aproveitar as oportunidades de negócio e de mercado que daqui possam surgir, designadamente em função de uma certa reindustrialização da Europa e, necessariamente, de Portugal.

O mercado automóvel é cada vez mais exigente e rigoroso, motivado pela apertada legislação regulamentar, que impõe uma redução significativa das emissões de CO2.

“Apostamos na conceção e desenvolvimento de moldes que permitam reduzir os ciclos de injeção e as taxas de desperdício de peças e de plástico”

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